Nelson Capucho cresceu com livros em volta. Filho de professores, o livro sempre fez parte da sua realidade e da realidade de seus irmãos. No entanto, nenhum deles tem inclinação alguma para a literatura, quiçá para a poesia. Capucho sim. “A poesia parece uma inclinação. Todas as pessoas que eu conheço que escrevem poesia têm uma sensibilidade. Parece que o cara nasce poeta”, diz ele.
Se existe realmente um momento decisivo em que o ser humano decide ser escritor – como García Márquez decidiu depois de ler a primeira página de “A metamorfose”, de Franz Kafka – Capucho o teve quando entrou em contato pela primeira vez com uma antologia de Carlos Drummond de Andrade. Achou aquilo moderníssimo. “Mal sabia eu que aquilo que achei moderno era, na verdade, eterno”. Nesse mesmo dia, chegou em casa e foi brincar de ser poeta. Mais tarde, acabou sendo poeta, cronista e jornalista.
O poeta é uma figura caleidoscópica. Sempre foi. Um fingidor completo, como já verificara Fernando Pessoa. A figura do poeta, assim como a poesia, foge dos porquês. A ausência de porquês talvez envolva com mais veemência poetas como Capucho, que se deixam guiar muito mais pela inspiração do que pela técnica - apesar de em alguns poemas, principalmente nos que tem influência concretista, perceber-se a presença de uma preocupação estética, mas que acaba puxando muito mais para o lúdico do que para a técnica fria e pura. “O concretismo foi só uma etapa. Era toda uma época em que o apelo visual estava muito em alta”.
Capucho, como todo poeta, é feito de fases. Já fez Haicais, poemas concretos, poemas engajados, e o que ele chamou de “bonsais” (micro-poemas); já brincou com a palavra, com a forma, com a fonte, com a cor e até mesmo com a própria poesia, em uma espécie de sacanagem metapoética bem lúdica.
Capucho sacaneia o lírico – de uma forma positiva, que fique claro - e faz uma poesia cheia de imagens. Impossível não pensar na figura dele, poeta, quando se lê o poema “Sonhador Desprevenido”, em que em cinco versos, três deles de apenas uma palavra, resume-se com precisão a pulsão do poeta e sua imaginação eloquente.
Quando se lê poesia, algumas coisas fazem muito sentido e outras não fazem sentido algum. Essas questões passam por uma curiosidade humana comum quando se diz respeito ao escritor: a inspiração. O que inspira? Capucho, como jornalista que já passou pelas páginas das hard news, tinha motivos para parar de sentir a leveza poética pesar sobre suas mãos. Mas muito pelo contrário: a realidade o inspira. “Para escrever poesia tem-se que conhecer a realidade.” Isso talvez soe contraditório pelo fato de que a poesia é um gênero que beira uma realidade quase paralela, mas Capucho conseguiu captar a vivência inspiradora com olhos de cronista, que inclusive é.
Escritor de uma poesia com muitas influências da poesia marginal dos anos 70 e 80, Capucho cresceu como poeta dentro da geração mimeógrafo. Conheceu pessoalmente os poetas Alice Ruiz e Paulo Leminski, que morreu em 1989. É certo que há algo de “leminskiano” na poesia de Capucho, e ele mesmo admite que Leminski e Alice foram uma influência. Mas uma coisa é mais provável: “A linguagem circula de um jeito inexplicável”. De toda forma, Capucho é construtor de uma poesia de observação, típica de sua trajetória. Uma poesia de entre-lugar: Coração de poeta, alma de jornalista e olhar de cronista.
Capucho é um homem de sonhos grandes. Quando começou no jornalismo, queria escrever como Hemingway. Depois de tentar fazer sonetos nos anos 80, flertar com o jornalismo literário em matérias esportivas, trabalhar em vários veículos de informação, ganhar prêmios como jornalista e como poeta e publicar cinco livros de poesia e um de crônica, além de fazer parte de várias antologias, Capucho diz não ter estilo algum. “Quero é experimentar tudo”.
Hoje sua poesia é cheia de sentimentos humanos, ele escreve sobre a condição humana com muito humor ou com o mais doce dos lirismos, mas sem pretensões. Muito menos porquês. Apenas querendo transformar em palavra o sentimento de ser e estar no mundo. “Quando se está triste se faz poesia, quando se está feliz se faz poesia, quando se está indiferente se faz poesia”.
Poeta e poesia se cruzam o tempo todo, e é claro que a poesia faz parte da rotina de Capucho, mas ele afirma que está mais seletivo para ler. Nessa fase mais madura, dá mais preferência aos clássicos, coisas que queria ler no passado e acabou não lendo. Mesmo assim, está sempre atento às produções literárias contemporâneas. E como todo poeta que se preze, tem insights noturnos e poemas que já “chegam” prontos – como o “Tropeçando em corpos nus”, musicado por Bernardo Pellegrini – e mantém cadernos espalhados por toda a parte para poder escrever quando a inspiração chegar.
Vários escritores beiraram à loucura e alguns até chegaram a cometer suicídio – é o caso de Lima Barreto, Ana Cristina César, Virgínia Woolf, Hemingway. Será a sensibilidade à flor da pele, somada à genialidade, que acaba enlouquecendo? Ou é a dor de perceber o mundo de uma forma diferente que dói de um jeito próprio nos poetas? Acho que as duas opções. Mas a dor tem uma importância indubitável na vida do poeta. Isso talvez explique o fato de que a época de maior produção poética de Capucho tenha sido exatamente "um período de vida atribulada", que deve estar aí como eufemismo para um período de possíveis grandes dores. Mas só talvez explique. A poesia não há de ter explicações. A única coisa certa é que cada vez mais é perceptível que o poeta é um ser que não se encaixa no mundo, e talvez nem mesmo dentro de si próprio.